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terça-feira, 3 de setembro de 2013

33 - Contos Duzara (3)

                    EMBAIXO DE VOCÊ

    E lá estava eu mais uma vez passando a madrugada em claro na frente do computador, enquanto acessava a internet no escuro. Talvez eu preferisse estar imerso na escuridão por ser mais aconchegante ou por não irritar tanto os meus olhos.  Eu gostava muito de ler contos de terror e qualquer tipo de creepypastas ou curiosidades que pudessem me tirar noites de sono.        
   Mas realmente eu estava indo de mal a pior naquele dia, acabara de ler um texto sobre um monstro que avisava as pessoas de sua chegada através da internet, me pergunto que tipo de criatura horripilante perderia seu tempo escrevendo mensagens para suas vítimas pelas redes sociais? Que coisa ridícula. Isso até me lembrava de milhares de correntes que as pessoas passam umas para as outras pelo bate-papo.
  De repente, enquanto eu procurava por algo interessante em um grupo privado do facebook, eu recebi um convite de alguém. Seu nome era estranho, com certeza não era nenhuma letra do alfabeto tradicional. Para falar a verdade, o seu “nick” possuía vários símbolos desconhecidos que faziam me perguntar se essa moda do Orkut ainda não havia passado.
  Apesar de achar estranho eu havia criado minha conta há pouco tempo e queria logo ter um grande número de amigos, então o adicionei sem delongas. Já eram duas e vinte e dois da madrugada quando novamente algo atrapalhou a minha leitura – o barulho estridente do facebook – que avisava que alguém queria falar comigo. Cliquei na aba do chat, e me deparei com o sujeito que eu havia acabado de adicionar. Ele não possuía nenhuma foto, mas ao menos parecia falar a minha língua. Observei a mensagem:
“Embaixo de você” - 2:43
  Não conseguia crer no que via, o que isso significava? Era algum tipo de pegadinha? Spam? Brincadeira de mau gosto? Algum amigo zombando? Ou será mesmo que... Intrigado, eu decidi perguntar:
“N entendi. O que vc quis dizer com isso? “ – 2:24
Cuidado...” 2:42
  Rapidamente olhei para trás, depois para baixo da mesa e da minha cadeira. Após de uns segundos me senti um idiota fazendo isso. Será mesmo que estavam tentando me assustar? Eu era profissional no assunto, já tinha lido tanta coisa a respeito, que sabia muito bem o que ele ia dizer pra tentar me aterrorizar e qual a melhor forma de me esquivar desse tipo de incomodo. Apesar de eu ter estranhado o fato das mensagens terem sido enviadas quase vinte minutos depois do horário do meu computador, e da segunda mensagem ter sido enviada com um minuto de antecedência que a primeira. Mas isso não seria suficiente para me deixar curioso ao ponto de cair nas artimanhas desse desocupado. Com certeza era alguma falha do chat, ou diferença de fuso-horário ou qualquer coisa do tipo. Fui em “desfazer amizade” e voltei a minha leitura, quando ouvi mais uma vez o barulho do facebook. Ao voltar para aba notei que o chat do sujeito ainda estava aberto na minha conta, e havia mandado mais uma mensagem:
“... 301...”   - 2:26
  Agora eu já estava começando a ficar tenso, como ele havia conseguido fazer isso? Estava eu lidando com um hacker? Como o maldito continuou a me afortunar mesmo eu tendo bloqueado sua conta? Aliás, o que ele quis dizer com 301? Era um código... Algum sinal... Trezentos e um...  O que seria 301? Apesar de agora sua mensagem ter sida enviada no horário correto, eu não conseguia deixar de me perguntar o que significariam tais números quando recebi outra mensagem. Porém antes que eu conseguisse lê-la ouvi um barulho na entrada de minha casa, um tanto incomum pra um apartamento silencioso como o meu.  Então eu raciocinei um pouco e a ficha finalmente caiu... Trezentos e um, era o número do meu apartamento.
   Corri em frente à porta para evitar que, o que quer que seja, entrasse na minha casa. Olhei pelo olho mágico e estava tudo muito escuro, se alguém estivesse me pregando uma peça a essa hora da madrugada estaria fazendo muito bem feita, pois eu não conseguia ouvir respiração, nem passos nem nada. Fiquei alguns minutos parado ali. Então fui retornando levemente para não pisar nas tábuas do meu apartamento e abafar os possíveis sons externos, eu queria ficar atento a tudo, para evitar surpresas. Então eu me virei para o primeiro quarto à direita e liguei a luz, a luz seria minha amiga agora.  
   E no momento em que eu fiz isso senti um arrepio em minhas costas, um vento gelado como se alguém corresse por trás de você, olhei em minha volta, apavorado, e vi que era apenas a janela, que estava em direção oposta a esse quarto, e que dava em direção as escadas do meu prédio. Provavelmente como ela estava aberta, um vento entrou despercebido.
   Fui voltando devagar pela sala enquanto ligava todas as luzes, quando me senti o seguro suficiente fui até o banheiro no final do corredor para me aliviar, e também para averiguar a janela. Estava fechada, pelo menos isso. Fiquei olhando pra parede enquanto não urinava, queria evitar olhar para o único lugar escuro da casa, a cozinha.
 Puxei a descarga, mas mantive a luz acessa e fui andando em direção à cozinha, olhei bem ao redor, parecia tudo tranquilo. Antes de ligar a luz fitei a tela do computador, estava piscando freneticamente, me aproximei bem e percebi que enquanto havia me levantado recebi várias mensagens do sujeito. Angustiado me aproximei da mesa, sentei na cadeira e comecei a ler as estranhas mensagens enviadas por aquela conta.
Embaixo de você” – 2:43
Cuidado...” – 2:42
“... 301...” –2:26
Estou aqui... ” – 2:27
Agachado na frente da sua porta.” – 2:27
Entrei...“ – 2:32
Passei por trás de você...” – 2:35
Eu me escondi embaixo da sua mesa...” – 2:37
Na sua cozinha...” – 2:38
Estou te esperando...” – 2:39
Voltar do banheiro...” – 2:40
Cuidado...” – 2:41
Embaixo de você” – 2:43

   Fiquei pasmo ao ler todas as mensagens, o quebra-cabeça finalmente fez sentido. Enquanto eu deduzia isso senti um calafrio nos pés, olhei para o relógio do computador, eram duas e quarenta e três.


                                 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

32- Operários Burgueses

Personagens:
- Eduardo: Arthur Dobler
- João: Jorge Jr
- Augustus Santana: Djian Lucca
- Inspetor Jefferson: Lucas Impini pinto
- Edição de texto e trajes: Filipe Minotto

(Dois operários se encontram em uma fábrica de casacos um deles se encontra com botões ao seu redor, quando diz):
EDUARDO: Olha João... Eu estava aqui pensando com os meus botões... (pega os botões na mão) Já imaginou se a gente tivesse vida de burguês?
JOÃO: Como assim homem de deus?
EDUARDO: Ué como assim “como assim”? De que forma eu poderia estar falando se não sobre a mamata da vida burguesa João? Eles são ricos, não trabalham, tem status social, e o mais importante... Usam meias importadas! O que mais alguém podia querer?
JOÃO: Não Eduardo, você está sendo muito ganancioso... Acho que eu não preciso dessa vida toda, estou feliz com meu emprego.
EDUARDO: Ah! “Tá” certo João, e você acha que eu tenho cara de otário pra acreditar nisso?
JOÃO: Olha Eduardo, eu não quero te magoar, mas pensando bem... Até que você parece meio..
EDUARDO: Foi uma pergunta retórica, seu imbecil!
JOÃO: Ah taaa.. Agora eu entendi.
EDUARDO: Também, mais burro que esses botões aqui ( mostra botões) Era de se esperar que não entendesse..
JOÃO: Ei burro não!
EDUARDO: Tá bem! Tanto faz, eu só acho que no fundo, bem no fundinho você também queria poder ser o dono dessa indústria toda não é?
JOÃO: Já disse que não Eduardo, que chatice...
EDUARDO: Ah João, olha pra você! Vestido desse jeito maltrapilho. Até hoje ninguém dessa indústria te presenteou com nenhuma peça de roupa, nenhum casaco descente... E OLHA QUE A GENTE TRABALHA EM UMA FÁBRICA DE CASACO, ENTÃO TEM CASACO PRA DEDÉU!
JOÃO: Ah, mas sou imune contra gripe, não preciso de casacos.
EDUARDO: (risos seguido de um suspiro) Ai João quem dera se fosse só isso né? A tua bota é emprestada, tua meia tá furada, tua calça é apertada, a tua camisa tá rasgada, a tua blusa desgastada, a tua cara mal lavada, e o teu...
JOÃO: (Interrompendo) CHEGA Eduardo! Tá bom, eu já entendi aonde você quer chegar... Acho meio materialista de sua parte, mas tudo bem.
EDUARDO: Materialismo João? Não viaja, não é materialismo quando o MEU amigo, perto dos outros funcionários PARECE UM MENDIGO! Eu apenas queria te ver bem vestido. Por isso pensei que você gostaria de ser “Ricaço”!
JOÃO: Pois se enganou meu caro, eu estou muito feliz aqui sabe? Acho até que é muito pra mim. Minha família veio lá do fim do mundo. E quem nasce nos campos, poucas chances têm de ser alguém na vida. Apesar do “papai” e da “mamãe” quererem que eu os ajudasse com a enxada, eu preferi fazer a minha parte na história, e usar a chave de fenda para servir a indústria, então realizei um êxodo pra cá! Foi difícil, mas com sua ajuda estou aqui hoje trabalhando forte e firme, enchendo de orgulho aqueles que um dia me botaram nesse mundão. Por isso eu acho que...
EDUARDO: (ENORME BOCEJO) Já terminou?
JOÃO: QUE FALTA DE RESPEITO EDUARDO!
EDUARDO: Falta de respeito é você sendo chato, bicho grilo. Quando você começa a abrir a boca pra falar abobrinha é desrespeito aos meus ouvidos!
JOÃO: Seu grosso... (voltam a trabalhar)
EDUARDO: NÃO, MAS SÉRIO... Você NÃO PENSA NEM UM POUQUINHO?
JOÃO: Não Eduardo... Eu já te disse.
EDUARDO: Mas então você acha justo, as coisas continuarem como estão?
JOÃO: Bem eu...
EDUARDO: A gente se mata mais de oito horas diárias, pra chega um filho de papai e não precisar fazer nada? 
JOÃO: Ah Eduardo, mas você sabe que não é bem assim... Mexe muito com administração. Tem que ter cabeça pra negócios e...
EDUARDO: Ah me poupe João, até minha falecida vó, com todo respeito, administra essa joça melhor que esses caras.
JOÃO: Então porque você não herdou uma multinacional da sua vó, hein?
EDUARDO: Porque ela preferiu ficar tricotando invés de mexer a bunda gorda dela. E é nesse ponto que eu quero chegar JOÃO! A sociedade é imóvel, estática. Você pode não estar percebendo, mas agindo desse jeito você esta fazendo parte de uma sociedade que não pensa. E se você por acaso tivesse a oportunidade, você ia agir e mudar a história? Ou iria querer ser que nem a minha avó?
JOÃO: Gordo e ranzinza? (risos)
EDUARDO: Olha quem decidiu ficar engraçadinho agora! Sinal de que parou pra repensar, certo?
JOÃO: Ah Eduardo, sei lá. Talvez se o acaso permitir.
EDUARDO: Pois pode me chamar de acaso meu querido, porque eu vou tornar isso possível João! É isso aí eu estou gostando de ver, preciso de gente com atitude como você... (sobe no banco) VAMOS REVOLUCIONAR A INDÚSTRIA! Chega dessa hierarquia toda para a destinação da mão de obra. O proprietário tem que merecer por direito! Vamos deixar de ser assalariados (sobe na mesa) Vamos mostrar pra esse patrão salafrário do que somos feito, vamos desbancá-lo, ultrapassá-lo, vamos ser a última Coca Cola da lavanderia!
JOÃO: O que é Coca-Cola?
EDUARDO: Produto de rico que lançou há pouco tempo, serve pra desentupir pia e vaso, genial!
JOÃO: Isso deve ser tóxico...
EDUARDO: E se for João? Não é como se as pessoas fossem beber isso... Enfim voltando ao foco.
(João presta atenção)
EDUARDO: Uma andorinha só não faz verão certo?
JOÃO: Certo... Mas você acha que duas fazem?
EDUARDO: Não, e é aí que eu pensei... “O que é melhor do que a voz do povo para resolver as coisas”, não é mesmo? Se juntarmos a galera toda desse setor, não precisa ser a indústria inteira, mas uma boa parcela que possa prejudicar a produção... A gente podia fazer uma enorme greve... Ou melhor, um MOTIM!
JOÃO: Ah Eduardo, um motim? Isso não é meio antiquado?
EDUARDO: “Antes de quadro” ou “depois do quadro” não importa meu amigo, sempre funciona! Não há nada melhor que uma rebelião pra descentralizar o poder. Ainda mais se o poder tá nas mãos desse Senhor “Augustus Santana”, esse arrogantezinho de nariz empinado, esse aproveitador de empregados, esse explorador insensível, esse ditador...
JOÃO: Eduardo, você tá muito boca dura cara.
EDUARDO: O que quer dizer? 
JOÃO: Que você está falando muito e fazendo pouco...
EDUARDO: E porque você está pensando isso? Eu falo, mas é muito sério, pretendo fazer tudo isso ainda hoje!
JOÃO: Então é bom você descer desse banco, começar a espalhar a noticia e botar a boca no trombone, aliás, se odeia tanto o chefe você devia ir falar tudo isso, Óh é na cara dele! Porque você reclamou tanto do Augustus pelas costas hoje que a orelha dele deve tá vermelha-pimenta já!
EDUARDO: Ah você não entende nada de momentos históricos não é mesmo? O líder das rebeliões tem que estar sempre em um lugar alto para que todos os admiradores possam o ver.
JOÃO: Desse jeito o único que “vai te ver” é o inspetor Jefferson.
EDUARDO: (repulso) Ah, esse é outro que me dá embrulho no estômago, quando eu for o dono dessa “Bagaça”, ele vai ser o primeiro a ir pra rua. Esse puxo saco de superiores... Aliás eu já falei o que eu acho do nosso patrão?
JOÃO: (Se vira rápido e volta a trabalhar)
INSPETOR: (aparece de repente na cena atrás de Eduardo) Não Eduardo, eu não ouvi ainda, você podia me dizer a sua opinião sobre o nosso regente? (O inspetor dizia enquanto segurava um bloco de anotações) Até porque eu não tenho nenhum registro seu aqui nessa indústria.
EDUARDO: Bom... É que... Eu. (pensativo) Estava dizendo que o Augustus Santana é um excelente chefe, sempre pensa nos trabalhadores, faz ótimos investimentos para empresa, e se projeta muito para o futuro, imagina sempre o que vem a sua frente. (enquanto Eduardo dizia isso, João ria por dentro)
JOÃO: (se vira segurando muito o riso) Ele também estava dizendo do quanto ele gosta de trabalhar nessa indústria!
INSPETOR: Isso é verdade Eduardo?
EDUARDO: Sim, isso mesmo eu disseque trabalho todos esses anos por que adoro esse lugar, eu passo todos os meus dias, muito feliz aqui, e o salário? Sempre sobra no fim do mês.
INSPETOR: Uhumm *fala enquanto anota* E posso saber por que você tá em cima desse banco? Dava pra ouvir sua voz do outro corredor.
EDUARDO: Bem é que eu estava faland...recla..tro-trocando isso, trocando a lâmpada que queimou e o João é meio sensível visualmente e não consegue ver esses botões todos sem luz não é mesmo (rindo nervoso enquanto desce do banco).
JOÃO: Mas o meu setor é o dos...
EDUARDO: CALA A BOCA (sussurrando)
INSPETOR: Claro, claro troca essa lâmpada logo e voltem a trabalhar, vocês não são pagos pra ficarem procrastinando em cima dos bancos (sai da cena).
(João trabalha enquanto Eduardo anda de um lado pro outro resmungando)
EDUARDO: Droga, Eu cansei dessa palhaçada!
JOÃO: Na verdade eu estou é achando muito divertida hahaha.
EDUARDO: “Ai! O meu amiguinho achou engraçado o inspetor me metendo à bronca”, pois saiba que se não parar de piadinha arrebento a tua fuça!
JOÃO: Também não precisa ser tão violento né Eduardo, guarda isso pro patrão hahaha.
EDUARDO: É vai rindo, abobado... Quando for eu sentado na cadeira estofada não vem beijar meus pés.
JOÃO: Com esse chulé bravo que eu sinto de segunda a sexta, beijar seus pés com certeza é uma das coisas que eu quero evitar.
EDUARDO: Pois é, santo Deus. Não basta trabalhar como um condenado, ganhar uma merreca, ter um patrão arrogante e um andarilho de corredores muito do pela-saco, o meu próprio amigo, e colega de trabalho, tem que ficar zombando de mim também, Porra João ATÉ TU BRUTUS?
JOÃO: Sem “vitimização” agora tá Eduardo? Eu já disse que vou te ajudar nessa situação. Então me deixa aproveitar seus últimos momentos como operário da empresa “Casacos e Cia”.
EDUARDO: Agora sim botei fé! Isso mesmo João, me ajuda com essa parada que com certeza você só vai se “dar” bem... Pra começar precisamos de chantagem, é o método mais eficaz pra se convencer alguém.
JOÃO: Mesmo é?
EDUARDO: Sim, eu estou sempre usando com as pessoas, tanto diretamente quanto indiretamente.
JOÃO: PERAÍ... Você já me chantageou sem eu saber? (pergunta sério)
EDUARDO: Não... Eu? Não... NÃOOOO (diz disfarçando) Enfim preciso de um podre do nosso novo patrão.
JOÃO: Ué, você não sabe? (diz indignado)
EDUARDO: Não, saber eu sei. Estou te falando isso pra gente decidir qual dos podres é pior, entendeu?
JOÃO: Ah tá. Bom, pra começar ele não tem experiência nenhuma, né?... Então é bem o que você disse até agora, “herdeiro filhinho de papai”. O segundo é que ele aumentou o dobro das taxas do custo das manutenções maquinarias, e não tem fundos suficientes pra cobrir isso, ou seja, ele está usando da nossa grana suada pra pagar o concerto dessas drogas (aponta pras maquinas). E o terceiro: Ele tem o dedo frio pra caramba, as escolhas que ele faz e as ações em que ele investe não estão dando retorno nenhum, nesse ritmo vamos acabar indo pelo ralo. Se antes o gráfico de estatísticas da Indústria parecia uma rampa, agora parece um “Bungee Jumping”!
EDUARDO: Bom, bom saber... Aliás, João... Você sabia de tudo isso e até agora não fez nada a respeito? Você tem MUITO potencial, potencial suficiente pra ser... (pausa) Vice-presidente dessa cooperação!
JOÃO: (sem jeito) Ah, não foi nada... Apenas procuro ser um cara Informado.
EDUARDO: E você é popular aqui nessa etapa inicial de produção de casacos?
JOÃO: Você quer dizer, se eu conheço todo mundo?
EDUARDO: É...
JOÃO: Sim, conheço desde você, até a área do Juca.
EDUARDO: Poxa! Até o Juca que fica lá do lado da porta de emergência?
JOÃO: Sim, sim conheço a Anastácia, o Gustavo, o Luís, o Luís Gustavo, a Julia, o Pedrão, a Carolzinha, o George, a..
EDUARDO: Tá bom, tá bom, eu já entendi que você muito sociável! Agora eu quero que você pegue todas as técnicas de persuasão que eu venho usando em você até agora, e aplique em todos eles. Improvise! Suba na mesa, saia gritando, sussurra aos ouvidos, faça comparações, zoe a empresa, você tem que os fazer verem que trabalham em um circo e que eles, são os verdadeiros palhaços! Crie Indignados e Revoltados, e até alienados que seguem o fluxo precisamos de massa de manobra, barulho, e é pra já! Eu vou indo agora pra ir lá falar com o chefe... (indo por um lado).
 JOÃO: Mas Edu...
EDUARDO: Não venha com “mas” agora João! Não vai me impedir estou indo a sala dele e...
JOÃO: É que esse...
EDUARDO: E vou voltar de lá juntamente com nossa vitória!
JOÃO: PORRA EDUARDO!
EDUARDO: O que foi dessa vez?
JOÃO: É que a sala do chefe fica pro outro lado sua anta! (aponta pra direção oposta)
EDUARDO: Ah claro sim, sim! Eu vou por aqui e você vai por lá e no vemos na porta do escritório dele depois. (cada um sai de cena por um lado)



(Encontra-se na cena o inspetor e o Augustus Santana)
AUGUSTUS SANTANA: E então fez o que te pedi?
INSPETOR: Sim está tudo aqui anotado senhor!
AUGUSTUS SANTANA: Oh, muito bem (pega o caderno e da uma olhada lendo atentamente)
INSPETOR: E então o que você pretende fazer?
AUGUSTUS SANTANA: Eu lhe pedi essa lista porque eu preciso realizar algumas demissões
INSPETOR: Ah foi por isso que você pediu as características de trabalho de cada funcionário agora faz sentido, e que conclusão você chegou?
AUGUSTUS SANTANA: Parece que eu vou ter que demitir... (pausa) Alguns “Eduardos”...
INSPETOR: O Eduardo? Mas eu achei que eu tinha escrito tudo que ele disse sobre você aí, ele gosta do emprego e acha você um excelente patrão...
AUGUSTUS SANTANA: Pois é e teve mais alguém com essa característica?
INSPETOR: Bom, não senhor, mas é que...
AUGUSTUS SANTANA: Por isso mesmo, posso não ser muito bom nas finanças, mas não precisa ser um gênio pra saber que nenhum ser humano normal que tenha essa carga horária e esse salário precário, vai ter um desempenho e uma opinião positiva dessas. Ele está tramando alguma... Tenha certeza disso.
INSPETOR: Então o que pretende fazer agora?
AUGUSTUS SANTANA: Pretendo não, eu vou fazer. Chame o Eduardo da Rocha agora mesmo, vou despedi-lo.
INSPETOR: (pausa) Err... Sim, tudo bem senhor.
(Alguém bate na porta)
AUGUSTUS SANTANA: Quem é?
EDUARDO: Eduardo Rocha se apresentando senhor, nós precisamos conversar!
INSPETOR: Ele está mesmo aqui...
AUGUSTUS SANTANA: Viu? Eu lhe falei, que bom que ele veio por conta própria, economizo tempo, pode se retirar agora Inspetor Jefferson.
INSPETOR: Sim senhor. (abre a porta e sai de cena encarando o Eduardo)
(Eduardo vai se aproximando do Senhor Augustus Santana lhe apontando o dedo)
EDUARDO: Olá Senhor Augustus! Vim aqui para...
AUGUSTUS SANTANA: Eduardo, você está demitido. (fala em tom breve e sério)
EDUARDO: ...Mas, mas... Droga! (pausa) Essa era a minha fala, pensei no meu diálogo com o senhor por minutos e agora isso.
AUGUSTUS SANTANA: O que quer dizer com isso?
EDUARDO: Ué? Se você falou que eu estava demitido e eu disse que essa era a minha fala... Eu ia te demitir, né!
AUGUSTUS SANTANA: Isso não faz o menor sentido. Primeiro, eu não trabalho pra você. Segundo: você não tem mais nada a ver com o “Casacos e Cia”. Por favor, se retire (vira-se de costas)
EDUARDO: Não, eu acho bom você se retirar!
AUGUSTUS SANTANA: Você ainda está aqui? Olha se você não quer sair por bem, vai sair por mal então.
EDUARDO: Pois tente.
AUGUSTUS SANTANA: (pega o Walkyman) Guardas! Quero que venham até minha sala agora.. Respondam! Alô? Alô?
EDUARDO: (risada maliciosa)
AUGUSTUS SANTANA: O que você fez desgraçado?
EDUARDO: “Viva la Revolución”! Está ouvindo os gritos ali fora? São todos os funcionários insatisfeitos com a sua regncia, se não podemos ter nossa própria mão de obra, tomamos ela com nossas próprias mãos que usamos para fazer obras... (para pra pensar no que disse) Nossa isso soou poético!
AUGUSTUS SANTANA: Isso é crime estadual! Eu vou colocar todos vocês na cadeia! Vocês não tem direito nenhum aqui, são apenas peões desse tabuleiro.
EDUARDO: Não mais meu amigo, os trabalhadores acordaram e você vai dormir agora.
AUGUSTUS SANTANA: Ah não vou não, Você pode ter conseguido pessoas do seu lado, mas eu posso demitir todos e recontratar novamente, ou melhor, vou vender essa fábrica pra qualquer gringo idiota!
EDUARDO: Ah meu amigo eu sei de seus podres, você está encurralado.
AUGUSTUS SANTANA: Não sei do que está falando.
EDUARDO: Corrupção meu caro, isso sim é crime estadual. Desvio de verbas, redução do salário mínimo para os trabalhadores, taxas abusivas, jornada de trabalho excessiva e situação precária em todos os setores de produção dessa indústria. Isso te deixava no mínimo umas duas décadas no xadrez, ou zerava a sua conta bancária meu chapa, você está contra a parede agora.
AUGUSTUS SANTANA: Não, não pode ser...
EDUARDO: Cheque mate!  Agora você tem duas opções, assine as papeladas ou mofe na cadeia.
AUGUSTUS SANTANA: Tudo bem eu assino, eu assino. Maldito... Raposa esperta, eu nunca pensei que um simples operário pudesse ir contra o dono de sua indústria... Que humilhação (assinando os papeis). E agora?
EDUARDO: Agora você tem duas opções: Ou sair por aquela porta e nunca mais voltar, ou ser “promovido” ao homem que traz o cafezinho. Caso sua escolha seja a segunda você tem 10 minutos pra me trazer um café expresso bem forte com chantilly e uma cereja em cima. HAHAHA.
AUGUSTUS SANTANA: Maldito, desgraçado, Você vai pagar. Pode ter vencido agora, mas eu tenho muitas filiais por todo país que eu herdei do meu pai! Vou crescer novamente então eu te destruo com minhas próprias mãos, essa não será a última vez que verá o burguês renomado Augustus Santana, filho de Paulo Borges Santana! Aproveite sua revolução patética. (sai de cena)


(Entra João na cena, Eduardo está sentado na cadeira estofada com os pés sobre a mesa)
JOÃO: MUITO BEM EDUARDO! Você tinha razão, vencemos! Conseguimos finalmente mudar essa realidade tão bruta!
EDUARDO: Pois é já pode começar essa nova etapa da empresa, beijando meus pés hahaha
JOÃO: HÁ-HÁ (ri sarcasticamente)
EDUARDO: Isso meu amigo é o poder da chantagem e da persuasão! Espero que um dia você aprenda a usar tão bem quanto eu!
JOÃO: Na verdade meu amigo, eu queria lhe dizer uma coisa. Você foi apenas uma alavanca pra tudo isso, pode até ser o ícone que represente o inicio dessa mudança no futuro, mas sem mim você não seria nada.
EDUARDO: (Se endireita na cadeira) Que história é essa agora, hein João? Foi um trabalho em equipe e.. .
 JOÃO: Equipe uma ova! Eu consegui convencer o povo todo a se revoltar, você tem ideia do quanto essa gente se contenta com pouco? Deus do céu, quanta alienação junta! E os guardas então? Aqueles caras tinham quase dois metros de altura. Sem contar que todos os podres que você soube do Augustus Santana fui eu quem lhe passei... Você acha que eu sou “informado” meu amigo? Sou muito mais que isso, eu tenho arquivos e informações confidenciais de qualquer um desse lugar, que vai do chefe até o faxineiro da rua, e isso obviamente inclui você. Pois bem, quem é a raposa agora meu caro, por trás de tudo isso?
EDUARDO: Não... Não pode ser... Tanto trabalho pra... Você não vai fazer isso comigo né João? Você?... Um cara tão humilde e...
JOÃO: Tem razão Eduardo, você é um bom amigo não vou te demitir dessa Indústria.
EDUARDO: Ufa.
JOÃO: Vou te dar duas alternativas, você pode sair por aquela porta e não voltar nunca mais, ou ir buscar o café...
EDUARDO: (PAUSA) Volto em dez minutos senhor. (sai resmungando mil coisas).
JOÃO: (Analisa os papéis sobre a mesa, estica seus pés, e olha para o palco como se avistasse toda sua cooperação de “Casacos e Cia”, dali) O tolo aprende errando, o sábio aprende com o erro dos tolos. E eu aprendi que... “Cia e Casacos” é um nome horrível deus do céu! “Olá eu sou João, dono da Casacos e cia” que horror, vamos começar mudando por aqui... E ali... Fazer assim e assado... (enquanto ele diz isso as cortinas vão se fechando)
FIM


Autor da peça: Arthur A. Dobler

sábado, 3 de agosto de 2013

31 - Ciclo da Vida

Uma pequena passagem sobre a vida, a morte, os sentimentos, as pessoas e tudo mais...
[Observação: Quando chegarem ao final experimentem voltar para o inicio, o texto em si é autoexplicativo]


..“No grande ciclo da vida”, existem certos momentos que as coisas não tomam o rumo certo, tudo começa a dar errado. E você se sente perdido em um labirinto escuro... Às vezes são causas pequenas: Uma briga com alguém, um atraso, uma rotina agitada e estressante...
Mas na grande parte o desespero emocional se dá por coisas importantes: Fins de grandes amores, um desemprego em longo prazo, vícios prejudiciais, doenças terminais e no meu caso... A morte.
Acredito que ninguém seja um eremita que more em uma caverna, e que todo mundo tem pelo menos alguém com quem desabafar de vez em quando, compartilhar os gostos, as vivências, a vida. Comigo não era diferente, eu achava que o conhecia há muito tempo, mas depois de tudo que aconteceu senti como se os cinco anos não fossem... Nada.
 Lidar com a morte de alguém pode não ser muito fácil, há quem consiga prosseguir a vida, levar isso como uma coisa natural por qual todos passam, mas existem pessoas emocionais demais que ficam em estado de choque por muito tempo, elas passam o dia chorando, seus estômagos negam comida, suas bocas negam diálogo, e seus corações negam contato com as pessoas.
 Perder alguém pode ser extremamente difícil pra quem se distancia da realidade. Lidar com a morte nos faz lembrar totalmente que somos apenas energia sólida, que um dia se está em pé e no outro se jaz ao chão. E o sofrimento que sentimos por estranhos e até por pessoas chegadas, só acontece quando nos colocamos no lugar delas, quando imaginamos suas dores em nós mesmos. Já parou pra pensar o quanto isso é desumano? As pessoas não tem compaixão por realmente se importarem umas com as outras... Elas têm compaixão por pena.
  Mas quem sou eu pra cobrar isso de alguém não é mesmo? Afinal somos criaturas falhas, fadadas a cair em arrependimento... E muitas vezes as reações de nossas mentes podem ser rápidas: Alguns se achegam aos seus parentes, outros ouvem músicas nostálgicas de tempos que trazem momentos felizes, tem quem repense na sua vida e refaça seus planos, mas existe sempre alguém que, cego pela perda, não encontra mais motivos pra continuar, não encontra... Nada. E na mais involuntária das ações, amarra uma corda no pescoço, aponta uma arma na cabeça, desliza a faca sobre os pulsos, se atira do lugar mais alto que puder.
 Por quê? Porque existem pessoas apegadas demais a sua sina, existem pessoas apaixonadas e ingênuas ao mesmo tempo, a ponto de não notarem, que a sua existência é autossuficiente. E então somos obrigados a vermos nos noticiários toneladas de tragédias, lágrimas de oprimidos, injustiças de minorias e um ciclo de ódio sem fim.
  Mas o meu caso foi um tanto diferente do habitual, não ouve choro, nem arrependimentos, nem adeus. A pessoa que me deixou sempre teve a saúde muito baixa, todos já esperavam que isso fosse acontecer uma hora ou outra, mas ninguém imaginava que uma leve picada poderia destruir um coração tão persistente.  Ele era sensitivo apesar de ser cético, ele deveria saber que não tinha muito tempo, ele vinha a muitos anos escrevendo um texto, quase um diário, com seus medos, suas alegrias, suas recordações e palavras transparentes para seus amigos. E quando ele se foi, observar que meu nome fora destacado em seu texto me fez sentir que minha amizade tenha ao menos valido muito para ele.

   E quando uma conhecida minha que já era bem próxima a ele me contou, eu já não sabia com reagir, não sei se foi um estado de choque ou uma extrema paz interior, realmente não me importo de ter sido insensível. E o porquê disso? Porque eu já sabia bem o seu instinto de Eutanásia, e sei que era isso que ele queria, sei que ele descansaria agora sem precisar sofrer nunca mais. E ele ter conseguido finalmente o que passou uma vida inteira almejando, me foi mais motivo de felicidade do que tristeza. E era assim que ele queria: ver após sua partida, apenas sorrisos. Porque as pessoas parariam para rever suas curtas e irrelevantes vidas e então poderiam correr atrás do que almejam com mais convicção.
    Mas o que mais me dói durante todo esse tempo é saber que enquanto eu estava às quatro da manhã sentado em minha cama, uma das pessoas mais importantes pra morria em uma cama de hospital. Sabe o que as pessoas dizem sobre sentir algo muito forte quando alguém que possui ligação com elas esta em perigo, prestes a perder seu espirito? Então, eu não senti... Nada. E a maioria costuma pensar que após esse impacto todos caiem em depressão, se desanimam e não mais vivem apenas se arrastam junto com os dias, mas isso também não é verdade. Apesar de eu não saber se depois de mais de meio ano eu ainda não tenha caído na realidade, mas por mais que eu ainda tenha essa indecisão, com certeza eu estou mais feliz do que quando recebi essa noticia, minha vida prosseguiu meus sonhos estão começando a se realizar, e eu encontrei alguém que compartilha da minha mente, dos meus ideais e do meu coração, assim como ele compartilhava.
   E o mais interessante, é que essa pessoa, foi à mesma pessoa que por obrigação de amiga venho me dar à notícia da partida de quem outrora era meu melhor amigo. As conversas foram e vieram, e descobrimos que nossos destinos estavam interligados assim como uma teia de aranha... A vida tem um jeito metafórico e artístico de acontecer, e isso que é o engraçado nela. Uma mão pode se estender de quem você menos espera.

   E a sua visão que antes escurecida já havia perdido as esperanças, agora encontra um novo motivo pra prosseguir. A sua montanha russa de emoções se alterna ao passar do tempo, e parece que todas as coisas ruins que aconteceram se compensam, para no futuro quem sabe acontecerem novamente, como em um círculo. Então não se preocupe com a sua morte, apenas viva, ame e preste atenção nas oportunidades. Porque, por mais que você pense que sua vida seja uma trajetória reta, ela dá voltas, assim como....

sábado, 27 de julho de 2013

30 - Aventuras Facebookianas (1)




Olá pessoal da internet, tudo bem com vocês? Depois de mais ou menos um século sem fazer uma tira decente trago pra vocês uma série nova sobre coisas que eu vejo ou que acontecem no facebook todos os dias, se sintam a vontade pra mandar sugestões huehuehue.

Ass: Zaramet [ aquele que voltou com as tiras novamente, e com essa finalização idiota]

segunda-feira, 22 de julho de 2013

29 - Contos Duzara (2)

E aí galera da blogosfera e demais leitores, estou de volta com mais um texto que eu queria ter escrito há muito tempo. Ele é meio que cronológico com o último texto que eu fiz o "Mundo do medo - Escuro", só que dessa vez com uma fobia diferente. Então espero que aproveitem o conto e boa [e longaaaaa] leitura! f
Fiquem agora com uma ilustração bonitinha para incentivar vocês rsrs :3 -


                                                         Mundo do Medo - Claustrofobia




    Eu não sei como vim parar aqui, não sei mesmo. Passei a minha vida toda evitando esse tipo de situação devido a minha terrível fobia. Não gosto de retomar meu passado, ainda mais para um estranho... Mas é algo que é necessário trazer a tona para que você entenda a minha aterrorizante situação. Eu sou claustrofóbico. Isso se deve há muito tempo atrás, graças ao meu brilhante padrasto, que aproveitava a fraqueza emocional de minha mãe para tomar posse de tudo o que era dela, e para agredi-la fisicamente. É lógico que isso não tem nada a ver com a minha fobia, até o ponto em que o maldito decidiu me trancar no armário para que eu não fosse testemunha ocular do que ele fazia com minha mãe.
   Eu ficava horas trancado naquele armário escuro e apertado, tentando sobreviver naquele cubículo, enquanto meus músculos se contorciam e meu corpo suava em meio ao monte de roupas putrefatas jogadas às traças. E enquanto minha infância ia se perdendo lentamente ali dentro, minha mente voava para longe, na esperança de que tudo aquilo cessasse um dia. Depois que eu atingi a maioridade, me mandei e nunca mais vi nenhum dos dois. Embora eu sinta muito por minha mãe e pelo que sofreu nas mãos daquele bastardo, eu não estava mais nem aí para o que ia acontecer com aqueles dois depois de tudo que eles me fizeram passar. E agora era exatamente isso que eles representavam para mim: O passado, algo que eu deixei para trás... Porém a única coisa que ficou guardada daqueles tempos e que carrego comigo até hoje, é essa maldita angústia por lugares fechados.
  O que nos leva para o cenário atual. Eu moro em um prédio razoavelmente bom, graças a um emprego estável que arrumei com o tempo, porém a altura de meu apartamento não favorece nem um pouco ao meu trauma natural. Residindo no décimo sexto andar, era de se esperar que eu usasse um meio de locomoção mais prático, como um elevador certo? Errado. Apesar do puta trabalho que dá subir todos os degraus, me parece que meu medo grita sempre mais alto e apesar de todo o meu esforço em supera-lo, eu não consigo por um pé dentro daquele pedaço de metal.
   Então é previsível que eu tenha que adaptar a minha vida e remodelar todo o meu horário de trabalho por causa dessa maldita fobia. Tenho que sair mais cedo de casa para evitar atrasos, não loto a geladeira e nem deixo esvaziar, faço um balanceamento rápido da comida semanal, acumulo lixos para evitar viagens desnecessárias, não trago visitas em casa [assim como não saio muito dela também]. Por isso sempre levo comigo o que for essencial: telefone, dinheiro, cartão, caderno pra anotação, kit de primeiro socorros, canivete, e mais um par de coisas dentro da minha mochila. É isso mesmo que você ouviu, eu ando sempre com ela e não me separo nunca. Como podem ver, sou um homem tão precavido que meu pavor por locais fechados não me afeta quase em nada.
  Mas por algum motivo que eu ainda busco entender, eu ainda não tenho noção alguma de como eu vim parar aqui dentro. Na verdade suspeito, mas ainda é difícil lembrar-me do que aconteceu, e do tamanho do meu azar. Parece que as coisas aproveitam o seu momento de fraqueza para foderem com sua vida, como diz “A teoria de Murphy” ou algo assim. O que lembro é de muitos de meus colegas de trabalho me convidando para uma festa na casa do chefe: Churrasco, piscina, bebidas, mulheres. Uma oferta irrecusável para qualquer mortal.
   Admito que eu não fosse aceitar o convite, eu realmente não estava nem um pouco a fim de ir, mas por outro lado cooperar para um convívio pacífico com meu patrão podia fazer com que meu salário aumentasse o dobro e com a grana que eu economizasse, eu poderia finalmente me mandar desse apartamento e morar em uma casa ou em qualquer lugar que me desse mais segurança. Era um risco que eu deveria correr, então acabei cedendo. A festa em si foi enorme, e eu nunca pensei que meu chefe fosse tão descontraído. Tudo corria bem, até que por um deslize me deixei levar pelo momento, e abri uma garrafa. Foi ai que começou, veio uma após a outra, e de repente parecia que todos os meus problemas haviam sumido, junto com a minha razão e com meu equilíbrio também.
   Não aprontei nenhum vexame na festa, mas era melhor eu ir embora antes que surgisse tal possibilidade. Ainda não sei como consegui avisar aos meus colegas onde eu morava, mas tenho certeza que vim de carro até a entrada. O galo em minha cabeça lembrou-me claramente de minha moringa batendo no teto do carro, e também do meu tropeço em frente à calçada. Mas como consegui distinguir o prédio vizinho do meu, e como enfiei minha chave corretamente na porta do edifício? Ainda é um mistério para mim.
   Apenas flashes aparecem em minha cabeça dolorida neste momento: um convite no escritório, uma festa animada, latas e garrafas aparecendo na minha frente, uma carona, um carro quase virando na esquina, uma saída desajeitada, um tropeço no meio fio, um andar meio rastejado no hall do meu prédio, uma parada brusca em frente às escadas, uma breve espiada para o elevador, uma visão escurecendo... E um desmaio ao chão.
   Ah... Agora sim as coisas fazem mais sentido, eu perdi a consciência no meio do corredor do meu prédio, a pergunta agora é: Teria eu recobrado os sentidos e entrado na porcaria do elevador? Será que comecei a subir as escadas e por falta de equilíbrio caí os degraus todos perdendo a consciência? Ou seria isso tudo fruto da minha imaginação e poderia estar ainda em pleno sono no meio do chão do hall de entrada?  Disposto a descobrir isso, fechei meu punho com tudo e soquei bem no meio da minha cara. O que pude sentir foi uma dor latejante correndo desde a ponta do meu nariz até a minha nuca e depois no corpo todo.     Com a queda quase bati meu cóccix no chão daquele elevador. Foi uma péssima ideia, agora além de estar com o corpo todo dolorido eu tinha uma certeza: Aquilo não era um sonho, era um pesadelo que se tornou realidade.
   Com a visão um tanto embaçada tentei pressionar os botões um por um do térreo ao vigésimo sétimo, queria sair logo dali e esquecer tudo aquilo. Nada aconteceu, é como se estivesse sem energia no prédio inteiro, apesar das luzes do elevador ainda estarem acessas. Então apertei todos de uma vez só e comecei a soca-los, estapeá-los... E nada.  Foi quando olhei bem para acima de todos eles, e vi um botão vermelho com um sinal, me aparentava familiar... Seria aquele o botão de emergência?
   Não tendo nada a perder, mirei com um bocado de esforço naquele circulo avermelhado e desci minha mão em cima do mesmo.  Um chiado ocorreu, o cubículo de ferro tremeu... E apenas um som ecoou por aquele minúsculo espaço: TU...TU...TU...TU...TU...TU...TU...
- Isso... Não está acontecendo, não... Só pode ser brincadeira... – eu dizia perplexo.
   Fiquei parado suando frio por alguns minutos sem saber ao certo qual seria minha reação.  E foi quando eu encarei as quatro paredes que me cercavam, é que sofri um choque de realidade. A ficha finalmente caiu e tudo veio à tona, Eu estava sozinho e trancado assim como na minha infância... Mais uma vez.
    Decidi então andar em círculos, enquanto olhava os meus pés e tentava me distrair. Eu estava acanhado, me sentia perdido como uma criança que foi abandonada. Eu precisava me manter racional, eu necessitava ter noção do tempo... Isso! As horas eu tinha que saber que horas eram, coloquei as mãos no bolso a procura de qualquer objeto: um relógio, um celular, qualquer diabos que me dissesse as horas e os minutos exatos. Mas não achei nada: nem nos bolsos laterais, nem nos traseiros, muito menos no bolso do meu casaco... Não tinha nada, apenas um pouco de poeira, e um papel velho. Amassei-o e joguei-o no chão com muita raiva. Como eu poderia me manter calmo agora? Sem ter nada pra me trazer para realidade?... “A mochila, a mochila” eu pensei... É nela que esta tudo, nela está o que eu preciso. Eu coloquei as mãos nas minhas costas a procura de um objeto palpável de grande porte que servisse como guardiã dos meus apetrechos, ato inútil. Então fechei os olhos com força antes de praguejar algo inaudível... Ela não estava ali, eu fiquei tão desesperado com a situação que não havia notado que ela não se encontrava em minhas costas, e em nenhum lugar daquele cubículo. Pensando bem, em todas as minhas memórias pós-festa da noite anterior, eu não me lembro de estar com ela em nenhum momento.
     Belo dia de merda para se esquecer da mochila na casa do chefe, agora eu não tinha nada para ver as horas, nem chamar socorro, nem me entreter muito menos algo para me ajudar a sair dali, ou abrir aquela maldita porta... Ou será que não?
    Nas minhas condições atuais se eu continuasse ali eu iria pirar, poderia até desmaiar, embora eu não estivesse sentindo a tontura que eu sempre sentia nessa situação, era estranho... Para falar a verdade eu estava até mais forte [o soco na cara foi uma das provas disso]. Decidi usar isso ao meu favor, peguei impulso até a porta da frente e lhe apliquei um enorme chute em seu centro. A porta não parecia ser tão grossa, porém o resultado foi nulo... Além de não conseguir mexe-la, ainda gastei energias para nada. “Elevadores são verdadeiras gaiolas humanas” pensei.  E pressionado por toda essa falta de liberdade comecei a cambalear ao redor das paredes, tentava as empurrar para longe, eu dei voltas naquele quadrado varias vezes até parar em frente ao lado que possuía um espelho.
   Com as mãos apoiadas no meu reflexo olhei perplexo para minha face, ela estava pálida e chupada, parecendo um vampiro tirado de algum livro de terror. Abaixei minha cabeça enquanto a franja cobria meu rosto. Os pingos de suor deslizavam sobre minha face e caiam ao chão, meu corpo não aguentava mais aquilo. Então levantei-me e encarei bem aquela maldição. Sem possuir mais nenhuma alternativa, nem rota de fuga, e já com os meus primeiros indícios de paranoia, decidi que descontaria toda minha raiva naquele espelho. Serrei a mão e comecei a socar o vidro e chutar o mesmo. Com força... com muita força, os pedaços iam voando longe, quicavam nas paredes e iam ao chão. Atingiam meus braços e pernas, que começavam a sangrar, mas eu já não me importava mais eu precisava ver o que tinha por trás daquele maldito vidro... E depois de muito tempo golpeando, não havia mais nada. Apenas uma parede suja assim como as outras do elevador. Fadigado, meus joelhos já estavam se flexionando quando de repente uma voz começou a gargalhar ao fundo bem baixinho e depois começou a ficar alta, muito alta, estridente, Insuportável.
   Virei-me sem entender nada, e quando vi tal criatura me desequilibrei com o susto, por sorte estava perto de uma das pontas daquele cubículo e por isso não caí no chão em cima dos cacos, contudo senti uma dor enorme em um dos pés, era possível que eu tenha torcido um de meus tornozelos.
   A coisa que havia rido atrás de mim há pouco tempo, acabava de passar através da porta como mágica. “Ele” ou “ela” tinha a típica aparência de uma gárgula: suas orelhas pontudas, um par de chifres sobre sua cabeça, olhos vermelhos e vazios, um corpo meio escamoso e meio peludo que aparentava ser rígido como uma pedra, pernas humanoides que possuíam garras compridas que se misturavam com seus pés, e seus braços que eram colados em uma enorme envergadura de asas. Ele ficou ali parado grudado na porta me encarando por alguns segundos. Possuía um bico largo, porém serrilhado de dentes que agora sorriam para mim, a sua fileira tanto superior quanto inferior eram pontiagudas, maiores e bem mais numerosas do que a de um humano e estavam ensanguentadas como a cor de seus olhos. Ele soltou um berro mais uma vez e descolando-se da parede abriu seus braços e pairou no ar, vindo em minha direção dizendo:
- Olá mais uma vez, caro mortal! – gargalhava e gritava como se fosse um velho amigo.
 
   Sua voz por sinal era desconfortante: fina e grossa, rouca e nítida, feminina e masculina tudo ao mesmo tempo... Parecia a verdadeira voz do inferno.  Eu não podia ficar trancado ali com aquela coisa, precisava dar um jeito de escapar. Tentei levantar e ir me mexendo aos poucos para o lado, mas minha suspeita foi concluída: eu estava com o tornozelo machucado.
  E percebendo isso a criatura disse mais uma vez:
- Você sempre machuca o pé quando me ouve gargalhar MUAHAHAHAHA... – ele parou de rir por alguns segundos e me encarou sorrindo histericamente – É ridículo.
- SAIA DE PERTO DE MIM! – Eu gritei em uma tentativa desesperada de afrontar aquela besta
- Pare de gritar, vai apenas se cansar mais... huhuhu – a gárgula dizia enquanto girava no ar lentamente.
   No desespero olhei ao meu redor, havia os cacos de vidro ao chão. Abaixei-me com dificuldade peguei os maiores que consegui e mirando bem naquela maldita coisa voadora arremessei-os na esperança de leva-la ao chão. Os projeteis voaram em direção à gárgula com extrema velocidade. Alguns não chegaram nem perto e foram parar na porta, outros pegaram no teto, mas um em si foi em cheio, bem certeiro no olho da criatura... Mas ao invés da mesma gritar de dor e perder o equilíbrio, o que ocorreu foi o caco de vidro transpassando pela mesma, como se fosse um fantasma, e indo parar no chão junto com os outros pedaços.
- Você SEMPRE tenta isso HAHAHAHAHAHA é patético, você já devia saber muito bem que eu não sou material.. Ah acabei de lembrar que você nunca se recorda daqui não é mesmo? hihihi – concluiu.
- O q-que... Demônios é você? – eu disse gaguejando enquanto me ajoelhava lentamente ao chão.
- Para resumir os fatos, eu sou nada mais nada menos que sua indecisão, meu caro... – disse o monstro sobrevoando minha cabeça.

  Eu estava transtornado... Eu me encontrava agora sozinho e trancado em um elevador, do qual eu nem tinha certeza se era um sonho [apesar de toda dor que senti], e sem saber se estava em minha sanidade, tendo uma gárgula falante como companhia. De repente sinto um peso sobre meus ombros, e retomo a consciência viro rapidamente o meu pescoço para a esquerda e o que avisto é a gárgula novamente, porém dessa vez bem perto de mim e bufando na minha nuca, ela era muito mais assustadora de perto. Ela dizia:
- Hoje você está um pouco diferente do habitual mortal, não progredimos assim... Descanse um pouco agora vai, e lembre-se do seu auto sacrifício. Quando acordar não terá mais chances, terá que enfrentar o seu medo, e por um fim em tudo. Ok? – a criatura dizia essas coisas tranquilamente para mim.
- O que? Mas o que você esta dizendo, meu medo? Auto sacrifi..  – fui interrompido pela forte girada das garras e dedos humanoides da besta sobre minha clavícula, vi tudo embaçar, e desmaiei sobre o chão daquela caixa metálica.

   Abri meus olhos novamente... Demorei uns segundos para recobrar a consciência. Eu estava... Para meu desespero no mesmo elevador ainda. Junto aos cacos de vidro e ao espelho estilhaçado, sem gárgula dessa vez. Afinal o que ela quis dizer com auto sacrifício? Enfrentar meu medo? Eu estava desnorteado, mas por mais estranho que possa parecer não estava mais nervoso, nem dolorido. Apenas sentia a sensação de que havia uma coisa que eu tinha que fazer, por mais que metade de mim não fizesse ideia do que fosse. Aquele lugar parecia familiar para mim agora, e era isso que me dava medo.
  Fiquei sentado ali, parado por um bom tempo sem fazer nada, apenas olhando para o chão, lembrando-me de todas as memórias vividas, recordando cada fase da minha passagem no mundo, até chegar à minha infância. Foi aí que me levantei e me dei conta: Era isso então? Esse era o medo que ele dizia? Minha claustrofobia? Era isso que esse lugar tanto brincava comigo? Meu coração agora estava mais seguro e sentia-o pulsando no meu peito como no inicio, meus punhos se fechavam e eu sentia que estava forte como naquela hora do soco. Eu ia superar aquele medo, aquela terrível fobia por lugares fechados.
    Fitei o chão novamente e avistei o pequeno pedaço de papel que eu havia jogado fora. Sem nada a perder eu peguei-o e abri-o para ler, eu realmente não me lembrava dele e nem de como ele venho parar no meu bolso, mas nada disso importava agora. Quando botei os olhos no papel vi que possuía uma pequena frase que dizia: “A resposta esta em cima do seu nariz”.
    No começo pensei se tratar de uma metáfora, mas depois cogitei a possibilidade de ser uma frase literal. Olhei para cima por puro ímpeto e o que eu avistei foi à lâmpada, que antes não passava de uma iluminação para o elevador, e agora era a iluminação da minha vida, “a luz no fim do túnel”. Porque o que eu vi quando inclinei a cabeça foi um compartimento que poderia ser removido, em caso de emergência. Como não havia pensado nisso antes? A saída estava bem “em cima do meu nariz” mesmo. Respirei fundo, e aproveitando a minha altura natural, arranquei a luminária com as mãos, dando passagem ao compartimento que possuía uma trave, destranquei-o e empurrei sua tampa com certa dificuldade para fora. Foi quando usei a lâmpada que havia arrancado como apoio para os meus pés, e com um pouco de impulso fiquei suspenso no ar, agarrando a minha saída, a minha única esperança. Eu sempre tive os braços bem trabalhados, então não foi muito difícil puxar meu tronco para cima até que estivesse suficientemente alto para esticar a minha perna e sair daquele maldito elevador, mas o problema é que eu não sabia o que eu ia encontrar logo acima daquela saída. E foi nesse momento que fiquei ali no meio entre: O elevador, e a escuridão por trás daquele buraco. Então comecei a ouvir uma voz que disse:
- Vamos mortal, você tem que enfrentar o seu medo... Não me faça voltar aí MUAHAHAH – a minha indecisão ria descontroladamente.
  Então fechei os olhos com força e decidi subir.

  Quando eu estava ali em cima e abri-os de novo, eu enxergava muito pouco por falta de iluminação. Tentei esticar meus braços para me agarrar a alguma coisa, mas o único objeto que encontrei ao redor foram os cabos que seguravam o elevador bem abaixo de mim. Então decidi me levantar com tudo para me esticar um pouco, e desprevenido acabei batendo com minha cabeça em alguma coisa presa ao teto daquele local, que por sinal era muito baixo, a minha queda foi tão rápida quanto minha subida. E no impulso de tentar não cair lá embaixo naquele elevador novamente, me agarrei à tampa na hora em que me desequilibrava e empurrei com tudo para baixo com esforço, ela fechou-se com violência, e logo após isso cai por cima da mesma de mau jeito.
  Agora tudo estava escuro naquele lugar, tentei abrir a tampa novamente, mas ela havia lacrado com muita força e não havia como puxa-la pelo lado de cima. Que dia de sorte não é mesmo? Fui rastejando aos poucos, com medo de esbarrar no teto novamente, e não precisei engatinhar muito para me deparar com algo sólido. O problema é que encostei minhas mãos em algo plano e grande como uma... Uma maldita parede. Nessa hora minha espinha tremeu e meu coração parou, baixei a cabeça e implorei para Deus. Aquilo não podia estar acontecendo, eu comecei a tatear a parede e logo ela fez uma curva à direção oposta. Segui essa curva com dificuldade procurando por qualquer coisa que se destacasse naquele plano: Uma porta, botão, alavanca, janela, saída, qualquer coisa... Mas a única merda que a parede fez, depois de poucos metros, foi virar noventa graus para direita.  Só havia mais uma esperança, mais um lado daquele lugar escuro, que poderia não ser sólido e que me livraria do meu sufoco. Fui rapidamente até ele esticando o braço trêmulo, e a única coisa que meus dedos se depararam foi com outro amontoado de tijolos e cimentos. Foi então que me dei conta que eu estava provavelmente no último andar daquele prédio, em um pequeno e apertado espaço restante do poço do elevador sobre o qual eu me encontrava naquele exato momento, trancado mais uma vez. Sem luz, sem espaço, sem ar.
 Eu não tenho esquizofrenia, mas juro que estava começando a ouvir vozes, o ar estava ficando quente, é como sentir a sensação de ser enterrado vivo por engano. Comecei a rastejar ao redor da sala, dei varias voltas, centenas de voltas, meus joelhos doíam, eu não sentia nada além de sufocamento, e as vozes que agora ecoavam na sala inteira, ou seria apenas na minha cabeça? Não sei dizer, o que se sabe é que elas diziam milhares de coisas misturadas de difícil compreensão... Elas queriam me ver morrer. Agora eu estava entendendo tudo... O meu “auto sacrifício” era morrer naquele lugar, não é? Mas não era o que eu iria fazer! Comecei a chutar todas as paredes com toda minha força esperando quebrar elas de alguma forma, coloquei a mão pelo teto e fui procurando por algo que pudesse me ajudar: Qualquer abertura como um alçapão ou então um material pesado suficiente para quebrar as paredes.  Quando cansei me escorei novamente nos seis cabos que seguravam o elevador consegui ouvir nitidamente aquela voz do inferno que dizia:
- Tolo mortal, você nunca se lembrara de nada que fizer aqui! Apenas morra mais uma vez para completar o seu ciclo ou sofra pela eternidade nesse cubículo!  - A criatura grunhia aterrorizantemente dessa vez, e não soltou nenhuma risada.
    Eu tinha que continuar minha vida, não podia simplesmente acabar ali, cheio de dúvidas na cabeça, sem saber onde estou e porque deveria morrer. Que conversa é essa de eternidade? E o que é “aqui”? Porque nunca me lembro do que farei aqui? Minha cabeça começou a latejar muito forte, a tontura estava tomando conta do meu corpo.
   Então de repente é como se nada mais fosse relevante, e eu soubesse o que fazer e como fazer. Corri então até a ponta daquele aperto todo e procurei algo pelo chão, tinha certeza que encontraria algo ali naquele canto. Minhas mãos procuravam desesperadamente por um objeto, foi quando esbarrei em algo e peguei-o com ansiedade. Era um tanto pesado, mas possuía duas hastes que flexionadas, poderia cortar qualquer coisa, era um alicate e era dos bons. 
   Ao contrário do qualquer um pensaria, eu não ia arrancar meus dentes com aquilo e nem me acertar até desmaiar e morrer de hemorragia, aquilo não era Jogos Mortais. Eu apenas me dirigi até a única coisa que sustentava aquele chão maldito que me prendia ali em cima: Os seis cabos do elevador.
   Abri o alicate bem firme e enquanto segurava os cabos podia ouvir as vozes aumentando e afinando o tom, elas começaram a fazer mais ruídos do que sons. Não sei se elas queriam ou não isso, mas era o que eu ia fazer, por mais que eu morresse na queda eu precisava tentar.
  Quando coloquei o alicate na primeira corda, um barulho ecoou por todo o prédio, um tanto incerto eu fechei o alicate tirando a primeira corda da roldana. Quando coloquei a pinça novamente sobre o segundo fio e estava prestes a pressionar ao seu redor o som estridente das vozes parou, e o que eu ouvi foi mais uma vez a gargalhada da gárgula, terminei de cortar o segundo cabo enquanto pensava se ela estaria satisfeita com meu plano de fuga, ou se sua risada significaria que eu estava mais uma vez indeciso se isso era a coisa certa ou não a fazer.
  Parei uma pouco para pensar sobre o assunto, quando de repente senti o ar ficar abafado e rarefeito, os murmúrios começavam a voltar aos poucos. Então cortei o terceiro fio o mais depressa possível querendo evitar aquela sensação horrível novamente, e foi quando o elevador começou a pender para um lado e um rangido mecânico saiu de suas laterais, algo me dizia que eu não deveria contar com o aparelho de emergência para quedas. Segurei a quarta corda, e respirando fundo coloquei o alicate sobre ela, e a puxei com força. Essa foi a mais difícil de cortar, porém ao termina-la, comecei a sentir mais uma vez aquela sensação... Eu estava suando frio, era como se estivesse sufocando, estaria eu com febre? O elevador pendia cada vez mais para um lado só, enquanto eu ficava ali com apenas mais duas cordas para serem cortadas, meu coração pulava e meus nervos estavam à flor da pele.
  Então segurei a quinta corda e percebi que ela estava um tanto debilitada, segurei firme o alicate e cortei-a em um golpe só, após aquilo uma explosão de sentimentos correu sobre meu corpo. É como se o fio restante não fosse só uma conexão entre o teto e o elevador... É como se ele fosse, além disso, um conector de duas realidades diferentes, ou de duas escolhas diferentes.
  O sentimento era imensuravelmente complexo para ser explicado, mas tudo voltou de repente em um mal súbito. Enquanto eu segurava aquele fio, as tonturas, o sufocamento, as vozes, a falta de ar, a risada demoníaca da gárgula, o tremor no prédio, as paredes encolhendo, minha visão se embaçando, o desespero total, o verdadeiro sentimento de medo em sua forma original, nua e crua. Era o medo de não sair vivo dali e também o medo de continuar ali dentro... Medo.
   Então com muito esforço eu levantei meu braço, olhei para o mesmo, ele parecia estar sofrendo uma enorme pressão, por mais que nada estivesse encostando-se a ele, era uma luta interna e externa para continuar tentando, mas eu não podia desistir sem sair dali. Eu me agarrei firme naquele cabo e cortei-o com todas as minhas forças restantes.
   Quando eu vi o aço do fio se despedaçando na minha frente, tudo cessou por um segundo... É como se eu tivesse encontrado a paz interior, e de repente tudo passasse em câmera lenta pra mim, e apesar de agora eu estar em queda livre de encontro à morte, os flashes das minhas memórias eram constantes na minha mente: A minha série de romances mal resolvidos, a minha rotina de trabalho, o acidente de carro que eu tive certa vez, a tentativa de banda na adolescência, e todas as coisas importantes que afetaram minha vida de alguma forma, que definiram quem eu sou. Mas a ultima coisa que apareceu em minha mente e que permaneceu até o final foi visão de quando eu era apenas um garotinho, eu via garrafas espalhadas ao chão enquanto alguém me puxava pelo braço rudemente, e me levava até uma porta familiar, uma porta rústica de madeira, que me aguardava ansiosa e que provavelmente me veria muitas outras vezes. Via então uma mulher chorando ao fundo cobrindo o rosto, via uma chave abrindo aquela porta, e um empurrão para dentro da mesma. Um empurrão que traumatizaria uma pessoa, um empurrão para a escuridão, um empurrão responsável pelo maior medo da minha vida: o medo por locais fechados.
  Então eu voltei à realidade e percebi que estava caindo cada vez mais rápido naquele maldito poço junto ao resto dos cabos, e que o elevador já estava muito distante lá embaixo. Por mais que aquela caixa de ferro se mantenha intacta, não posso dizer o mesmo do meu corpo de carbono. Eu com certeza vou me quebrar em centenas de partes ao bater naquele elevador, as lágrimas escaparam pelo canto dos olhos e começaram a flutuar no ar, leves e soltas elas iam subindo e subindo deixando pra trás o dono de suas angústias... Eu não queria que tudo acabasse assim, por mais que eu não tivesse mais ninguém importante na minha vida para me despedir. “Eu só espero que cremem o meu corpo”, foram meus últimos pensamentos enquanto eu fechava meus olhos e soltava meus braços do meu dorso, eles finalmente estavam livres agora. Livres daquela pressão, daquele desespero, daquele encosto, eu voava como um pássaro que fugiu da sua gaiola, nesse caso da sua fobia.



  Abri meus olhos com dificuldade, minha cabeça doía e pesava como nunca na minha vida, olhei para o teto laranja familiar... Aquele era o meu quarto? Levantei-me e fiquei sentado na minha cama. Tentei me lembrar do que havia acontecido e onde eu estava, porque não me lembrava de nada da noite passada? Procurei no meu bolso por meu celular, e li as mensagens todas... Mas é claro, a festa do chefe! Havia bebido tanto que eu nem me lembrava de nada, ainda bem que os colegas que haviam me convidado me levaram até a porta da frente, mas como será que eu havia chegado a minha cama? Ainda era um mistério... Olhei para o despertador, levei um susto. Haviam se passado meia hora depois do que eu havia marcado para despertar! Desse jeito eu iria chegar atrasado logo no dia da revisão.
  Arrumei minhas coisas, engoli o café, e comecei a correr escada abaixo, enquanto descia cada andar ia me dando um mal estar. Eu havia tido um pesadelo aquela noite? Ou só um mau pressentimento? Não sei ao certo, mas não tinha tempo para ficar me perguntando sobre minha saúde naquela hora. Ao descer o último degrau procurei pelo Sr. Adalberto, o porteiro que fica na recepção para pegar as chaves e anotar os recados dos moradores. Olhei no depósito ao lado do corredor, dei uma olhada rápida para fora e nada. Decidi deixar minhas chaves embaixo do balcão junto com as outras, pois não podia perder mais nenhum minuto ali. Então me inclinei rapidamente sobre a madeira e pus meu braço em volta da quina para procurar pela prateleira que guardava as demais chaves. Quando achei um gancho para pendurar a minha, larguei-a ali mesmo e estava me virando de costas para ir em direção à rua quando avistei a porta do elevador.
  Ela estava parada ali como todos os dias, mas por um detalhe peculiar a mais... Dessa vez havia uma placa amarela enorme de manutenção no centro dela, e mais alguns avisos em uma folha branca na região inferior da porta. Eu fui andando em direção à porta de entrada do prédio, enquanto olhava para o elevador que ficava para trás aos poucos. Fiquei imaginando se aquele elevador estivesse estragado comigo dentro, senti um calafrio novamente enquanto saía para rua... É por isso que eu mantenho distância de lugares fechados.

sábado, 6 de julho de 2013

28 - Desenhando (2)

Olha eu de novo aqui, dessa vez com um desenho super simples que eu fiz do autor de um desenho que passa no Cartoon Network, eu já mencionei ele algumas vezes em vídeos meus ou na internet e admiro muito o trabalho dele por ser nacional, e ter um nível de animação bem superior e episódios criativos e bem sacados então decidi fazer este desenho em seu estilo, como homenagem ou algo assim.

Ele gostou tanta da fanart que até postou no face do desenho e no seu próprio perfil, eu fico muito agradecido e feliz com isso ^^





Então é isso, vejo vocês no próximo post! [Ahvá]
Ass: Zaramet (Aquele que desenha os autor dos desenho em forma dos seus próprios desenhos -q)

27 - Desenhando (1)

Bom, poisé voltando aqui com o blog mais uma vez ... Porque senti vontade. Sempre vejo todos com seus blogs então da vontade de ter um lugarzinho pra divulgar minhas coisas. Por enquanto vou postando desenhos aleatórios que faço porque afinal, sempre estou por ai desenhando mas quem saiba com o tempo volte a fazer tiras de comédia, ou até textos que eu pretendo escrever. Então é isso fiquem com esse desenho super lindo meu e da Jéssica =B [Ela também tem um blog Esse aqui] Porque além de ela ter me apoiado muito em tudo que eu faço ela também queria muito que eu voltasse com o blog, e também porque adoro desenhar breguices u-u -n


quinta-feira, 27 de junho de 2013

26- PEÇA DE LITERATURA

Ocorreu um trabalho de literatura da escola, e vou ta postando aqui para meus colegas de sala poderem ler suas falas, disponibilizo também para os leitores conhecerem a peça.

PEÇA DE LITERATURA – FLOR DE GUERNICA

Essa é uma peça teatral escolar baseada no capitulo 2 do livro do autor presente na sala de aula Pablo moreno que se chama Flor e Guernica. A peça é melo poética e traz aspectos das sete crônicas encontradas no livro.

Personagens:
Estranho: Arthur
Homem: Jorge
Médico: Djian
Assaltante: Lucas
Filho do Estranho: Filipe
Pai preocupado: Lucas
Filho do pai preocupado: Djian
Dorothy Stang: Filipe
Assasino1: Lucas
Assasino2: Djian
Atendente: Filipe
Rapaz que roubou a criança: Djian

Cena:
(Um homem encontra-se em um hospital no hall de espera. Ele esta apreensivo andando de um lado para outro, suspira olha pra cima, da meia volta, e senta novamente. O médico entra em cena olhando fixo pra prancheta, ele olha seriamente para o homem põem a mão em seu ombro e diz).
- Médico-(Djian) : Sinto muito ela não resistiu aos ferimentos..
(Médico sai de cena com pesar)
(O homem abaixa a cabeça em estado de choque e cobre o rosto com as mãos)
(Um estranho que assistiu a tudo se aproximou devagarinho perto do homem, sentou-se e pôs a mão em seu ombro esquerdo)
- É difícil não é?
( O homem olha assustado para o estranho e pergunta um tanto curioso)
- Eu conheço o senhor?
- Não, não conhece... Mas nunca é tarde para se conhecer alguém.
- Não sei o que você quer, mas da pra me deixar em paz? Estou me sentindo péssimo, não vê que estou precisando ficar sozinho?
- Vi, é exatamente por isso que eu estou aqui, para poder lhe dar o que é seu de direito.
- E o que pode ser hein? Vai trazer de volta a minha perda? Ou quer me doar dinheiro? Não preciso de caridade senhor, sempre fui muito bem sucedido e...(INTERROMPIDO)
- Não, não... Não estou falando de coisas materiais, não tenha uma mente tão fechada.
- Então o que pode ser?
- Compaixão.
- Só pode ser brincadeira... (INDIGNADO) Olhe, eu acabei de perder uma pessoa importante para mim então se...
-Sua mãe sim eu sei...
- Mas como você sabe?
-Eu vi quando ela entrou por aquela porta.
(Silêncio na cena)
- Quantos anos ela tinha?
(O homem bufa, espera alguns segundos olha pro lado, mas decide responder)
- Ela tinha cinquenta e dois... Era tão jovem, coitada.
- Qual a causa-mortis?
- Ela morreu devido às queimaduras e inalação de fumaça... Sabe, eu não sei o que deu nela, disseram que quando a tiraram lá de dentro, ela estava descansando tranquilamente em sua cadeira de balanço...
- Talvez ela tenha tido motivos demais, ou de menos...
- Como assim?
- Você passava muito tempo com sua mãe?
- Não... Eu sempre estive muito ocupado com o trabalho, não conseguia dar toda a atenção para ela.
-Por isso mesmo. Ausentado, o filho não tem conhecimento dos problemas pessoais de sua genitora. Você pode nunca entender os propósitos dela, mas digamos que é como tentar despejar vários caminhões de sal em uma lesma gigante. Você a alimenta na esperança de cessar ela um dia... Mas é claro que isso não irá ocorrer não é? Então tudo vai se acumulando até queem certo dia, é como se te dissessem que os caminhões acabaram, e que a lesma não irá parar de crescer até te consumir por completo.  E de repente o raro clama para ser feito, e você se desapega de todas as: coisas, sentimentos humanos, pessoas e da sua própria vida. Você tem que entender que existem coisas que não podem ser feita mais de uma vez, como escovar os dentes, tomar banho, passar desodorante, comer, dormir. E quando o coração cresce descontroladamente para dentro como um chimarrão que implora pela feitura no chiar da chaleira, essas coisas ressoam baixinho, pedindo pelo ato, então ardemos de amor, queimamos de angustia e riscamos o fósforo. Nascendo e morrendo, acabando com a própria vida, e junto com ela, a lesma gigante... Eu realmente admiro sua situação, e realmente compreendo sua dor.
- Como pode me entender? Como pode tentar balancear a dor alheia? É muito fácil ter esse pensamento quando não é com você.
- Bem, eu tinha um filho de dezesseis anos... Ele sempre foi muito respeitoso, e dedicado, estudava e trabalhava ao mesmo tempo, tinha um futuro brilhante pela frente... Sabe por que tinha? Porque em um fim de tarde quando ele voltava de um dos seus cursos, ele foi abordado por um marginal, e o motivo... Isso mesmo, algo fútil e substituível como um tênis de marca, É obvio que apesar de injustiçado, ele entregou sem reação alguma os seus calçados, mas sabe o que aconteceu? O meliante disparou dois tiros no meu filho, puro ímpeto. E ele ficou atirado na calçada por horas, sem nenhum samaritano para ajuda-lo. Você falou sobre balancear as dores não é? Pois bem, nesse momento uma balança se fez entre meu filho e o tênis. Será que hoje em dia fabricam tênis tão pesados? Ou nossa humanidade se perdeu tanto que a vida simplesmente desvalorizou-se?
(Enquanto ocorre essa fala, Filipe representa o filho do estranho, e Lucas o marginal. Lucas assalta filipe e o “mata” fugindo com os tênis). 
- Me desculpe, eu... Eu não queria dizer isso. Eu não sabia mesmo... Mas porque esta me dizendo essas coisas?
- Porque a partir do momento que encontramos alguém com uma dor semelhante a nossa, nós estendemos a mão, desembrulhamos o nosso sofrimento e compartilhamos nossas dores para confortar um ao outro, é assim que funciona ou deveria funcionar.
(Entra pai (lucas) e filho (djian) em cena, o pai aparenta preocupado, o filho nervoso)
- Pai: O que você está sentindo?
- Filho: Aii... Pai, eu estou com o estomago embrulhado, não vou ao banheiro desde ontem, espero que não seja grave, ai...
(Os dois passam ao outro lado do palco e saem de cena)
- Estranho: E além da vida, aí está um bom exemplo de outra coisa que perdeu seu valor...
- Homem: O que quer dizer?
- A dor, ela não é mais natural, as crianças não estão preparadas para superarem ela, nem para amadurecerem com suas cruências interiores. Todos os dias, nós vemos: crianças, jovens, adultos e velhos se automedicando contra a tristeza, popularizam os analgésicos, estigmam a dor em anestesias e trocam frustrações por pílulas, amores por pílulas, sonhos e medos por pílulas, contas por pílulas, duvidas por pílulas, tudo por pílulas. Não se pode existir nem um pingo de dorzinha no horizonte, que já se acionam os helicópteros, soam os telefones dos pediatras e correm em direção ao hospital mais próximo... As benzedeiras são consideradas falsas, as parteiras perigosas e as mães ignorantes. Estamos passando por um avanço na cura do corpo, mas um retrocesso na cura do espirito, as crianças podem estar muito bem protegidas das cicatrizes físicas, mas me diga qual será o método para as dores que elas levarão consigo na alma?
- Pois é nisso você tem razão... O mundo mudou, eu me lembro de quando eu era apenas um garoto e minha mãe ainda jovem, a benzedeira sempre ficava mais perto do que o hospital, e como erámos em dez irmãos, se cada um chorasse cinco vezes, umas cinquenta idas à benzedeira por dia era certo (RISADA FRACA). Era um abraço e um assopro, assim como na criação de Deus, e tudo se curava ou quase tudo... Pois é as cicatrizes ficaram até hoje em mim, Como arte plástica no meu próprio corpo.
- Sim, somos parte de um passado esquecido, por sinal, você sabia que até o nome desse hospital representa o afronto a dor?
- O que? Hospital Dorothy Stang? O que tem esse nome?
- Dorothy fez um trabalho maravilhoso na Amazônia sabe, ajudou muita gente que vivia na miséria naquela região. Mas como não se podem agradar gregos e troianos, ela foi ameaçada de morte varias vezes por pessoas ricas que foram prejudicadas por seus projetos. E um dia em Anapu, aos seus 73 anos a senhora Dorothy passou dessa para um lugar melhor, assim como em “O mundo de Oz”, porém em uma viagem sem volta, e foi quando ela enfrentou com valentia os seis tiros a queima roupa lançados por dois homens, homens de lata que impetuosos a levaram ao chão, foi quando ela pegou sua viagem definitiva para além do arco-íris, como um sonho que vira realidade. Porém mesmo que ela caçasse bruxas e fadas em seu novo mundo, ajudasse espantalhos a terem cérebros, e leões a terem coragem, tem uma coisa que ela jamais conseguira fazer. Ensinar aos homens de lata desse mundo à como ter um coração de carne.
- O nome é em homenagem a essa senhora? Nossa, é uma história realmente triste, eu nunca imaginaria isso...
- Sim, as pessoas não costumam buscarconhecimento além do necessário.
(Ouvem-se murmúrios ao lado do palco, Entra em cenadjian com uma criança no colo)
Ele chega ao atendente (filipe) e diz preocupado:
- Moço, você tem que ajudar esse menino, ela esta sujo, um tanto machucado, pode até ter tétano, porém o pior de tudo é que ele já passou alguns anos de sua vida em meio ao lixo, sem aproveitar sua infância.
-Nós já o enviaremos pra emergência senhor, mas antes precisamos fazer um exame e um registro, qual o nome do seu filho?
- Ah bom eu não sei, ele não é meu filho, eu o vi na rua.
- Você está me dizendo que ele é órfão? Onde você o encontrou exatamente?
- Não, ele tem pais estava acompanhado deles, porém ao mesmo tempo não estava. Seus pais vasculhavam ferozmente o lixo, sem se importar com sua existência, enquanto ele distraído brincava com plásticos, latas tecidos e papel no meio das caixas criando no meio de uma realidade tão cinza um mundo tão colorido. Uma tampa de bule virava um avião em suas mãos, disquinhos de papel eram suas estrelas guias, um pedaço de papelão, virava um enorme escorregador, e tudo que for descartável para alguém pode ser mágico pra ele. Pensei em leva-lo para minha casa, mas minha casa é muito pequena, pequena demais para uma criança com um mundo tão grande. Então decidi traze-lo aqui, antes que chamassem a policia ou que a carroça de seus pais retornasse, me ajude moço a criar um mundo real para ele, onde ele nunca mais precise esfregar seus lábios em látex, enquanto o céu da sua boca sonha sabor de chocolate.
- Tenha calma, senhor. O garoto já será atendido, porém como a guarda do filho não é sua, terei que informar ao senhor que a criança não ficara mais em seus cuidados, será levada a uma instituição ou ao um orfanato.
- Mas vocês não podem fazer isso comigo, o garoto clama por meus cuidados, apenas eu entendo tudo o que ele necessita...
- Senhor aguarde sentado, por favor, sem transtorno ou terei que chamar a policia.
- (Transtornado) Ah..tu-tudo bem.. Como quiser, mas não sabe o erro que está cometendo.
(O rapaz segue em direção ao homem e ao estranho e senta em um dos vários bancos dali.)
(O estranho que a tudo observava com atenção vira para o homem e diz)
- Bom meu tempo acabou aqui, desculpa lhe deixar tão cedo, mas acho que já fiz o meu papel. Agora o resto é com você...
- O que? Como assim? Que resto?
- Vê aquela pessoa ali? Então não tenha medo, assim como um covarde teme o escuro. Porque a cegueira social, é a guarda entre a aparência superficial, e as coisas que realmente importam, então não tenha medo das verdades, não tenha medo do invisível à primeira vista, está na hora de desembrulhar seu medo, compartilhar sua compaixão, e ser o conforto de alguém. E lembre-se, que sempre no mais profundo escuro, sempre existirá uma luz no fim do túnel, assim como uma flor que desabrocha em Guernica.

Fim



Autor: Arthur Dobler